Ao sair pelo portão, você sente pela primeira vez a realidade do lado externo do castelo sem estar dentro de um veículo. O chão de terra batida e a rua não asfaltada, as casas com os tijolos aparecendo, a simplicidade das pessoas que caminham por ali, as roupas extremamente simples, os cabelos presos e sujos pelo sol e pela poeira que sobe da rua, as crianças descalças correndo com brinquedos feitos de lixo. Tantas informações. Como você nunca percebeu isso antes? Como você nunca parou pra ver que logo depois do seu muro existe tudo aquilo?
Uma mistura de raiva, ódio, decepção, tristeza e saudade preenche seu peito. As lágrimas jorram como uma cachoeira em dia de chuva. Algumas pessoas te observam. Alguns se curvam conforme você passa, outros se aproximam fazendo pedidos, mas prontamente se afastam ao notarem seu rosto vermelho e preenchido pelas lágrimas.
- Louis, pare! - grita Mary atrás de você ao longe - Louis pare! - você não para - Louis, pare imediatamente ou eu vou fazer um escândalo aqui nessa rua.
Você para. Outro escândalo não é necessário. Você espera a aproximação de Mary. Quando ela está próxima o suficiente para que ninguém possa ouvir a conversa, ela pergunta:
- Onde você pensa que vai? Morar na rua? Tá ficando maluco?
- Você não a responde. Ela continua:
- Fiquei sabendo o que aconteceu, Lou… É o melhor pra você, tá? Agora não tem que aguentar aquele crápula gritando em sua biblioteca. Logo, logo o trono estará em suas mãos e…
- NÃO MARY. A PORRA DESSE TRONO NÃO ESTARÁ EM MINHAS MÃOS NUNCA MAIS! - Você grita - Porque a merda desse sistema fez com que o poder sempre fosse inalcançável. Fez com que as pessoas que moram aqui tenham em seu jardim o local mais rico do reino, mas que não tenham sequer comida no prato! Eu não aguento mais procurar e não encontrar resposta nenhuma! Eu tô cansado. Eu só queria poder pegar toda essa galera e enfiar dentro do castelo e dar comida pra eles! Eu só queria que a merda desse reinado voltasse a ser o que era antes! Queria que o carro não tivesse capotado e que meu pai estivesse aqui! Queria que a idiota da minha mãe não tivesse me abandonado, porque agora eu teria o colo dela para correr! Mas eu só tenho você, Mary! Só você.
Mary senta em seu colo e te abraça. Ela te aninha como sempre fez desde que o acidente aconteceu. Mary ressignificou para você o abraço na cadeira de rodas. Desde que o acidente aconteceu as pessoas sentiam medo de você. Medo de te machucar. Medo de chegar perto. "É transmissível? É uma doença? Não pode abraçar ele, né?". Os abraços haviam se tornado apertos de mãos frios, mas ela fez com que você se sentisse acolhido novamente dentro do simples ato de abraçar.
Olhares acompanham a cena, você olha em volta e percebe pessoas emocionadas, confusas e, até mesmo, bravas pelo distúrbio de silêncio do local. Porém, um olhar em específico te chama a atenção: é Elisa.
A menina está sentada numa mesa de ferro velho de uma padaria praticamente falida com uma xícara grande na mão. Deve ser café, porque você sabe que o anoitecer faz com que ela precise de energia. É o horário favorito dela tomar café. Infelizmente você sabe disso. E você sabe de muitos detalhes sobre ela que decorou nos últimos tempos de convivência. Elisa desvia o olhar. O clima parece estar tenso entre vocês. Será que ela estava te esperando? Ou será que apenas parou para tomar um café antes de rumar para sua casa?